quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Entrevista Peter Singer

Júlio – O que pode causar o enfraquecimento dos valores éticos numa sociedade? 
Singer – A ética é um exercício diário, precisa ser praticada no cotidiano. Só assim ela pode se afirmar em sua plenitude numa sociedade. Se uma pessoa não respeita o próximo, não cumpre as leis da convivência, não paga seus impostos ou não obedece às leis de trânsito, ela não é ética. Num primeiro momento, pequenas infrações isoladas parecem não ter importância. Mas, ao longo do tempo, a moral da comunidade é afetada em todas as suas esferas. Chamo a isso de círculo ético. Uma ação interfere na outra, e os valores morais perdem força, vão se diluindo. Para uma sociedade ser justa, o círculo ético é essencial.


Júlio– O senhor é a favor da pena de morte? Singer – Definitivamente, não. A pena de morte não é moralmente aceitável e brutaliza uma sociedade. Prefiro a pena de prisão perpétua, que é mais justa.


Júlio – O senhor defende o aborto e a eutanásia, mas não a pena de morte. Não é uma contradição? Singer – Não. Tanto o aborto quanto a eutanásia não provocam sofrimento. Ao contrário. São práticas que aliviam o sofrimento. Considero o feto uma vida humana, mas não uma vida que tenha sensações e sentimentos, pelo menos na fase de gestação em que ocorre a maioria dos abortos. A eutanásia é a alternativa moral para aliviar o sofrimento de doentes terminais. Minha posição é contra a interrupção da vida de um ser, seja humano, seja animal, que deseja continuar a viver e sofrerá com a morte inesperada.


Júlio – O senhor argumenta que é preciso pensar na comida de forma ética. O que significa isso? Singer – As pessoas precisam parar de pensar na comida apenas como algo de que se gosta ou que faz bem à saúde. O ato de comer também é uma decisão ética e moral. É necessário pensar nas conseqüências do comer, tanto para os animais que nos servem de alimento como para o meio ambiente ou para nós próprios. A forma como nos alimentamos hoje faz o animal sofrer, provoca uma epidemia de obesidade no mundo e é causa de uma série de doenças nos seres humanos. Isso tem impacto profundo no planeta e no meio ambiente.


Júlio – O que há de errado na criação dos animais destinados à alimentação humana? Singer – Os animais são criados nas fazendas industriais sem a mínima dignidade. Os porcos, que instintivamente procuram abrigo para alimentar seus filhotes, não podem sequer se mexer, porque vivem num espaço mínimo. Os filhotes são arrancados da mãe o mais rápido possível, para que possam engordar e procriar. O gado não come capim, como todo mundo pensa, mas restos de animais e seus excrementos. Os frangos criados em granja vivem em galpões que abrigam até 20.000 aves que nunca vêem a luz do dia, só a luz artificial. São abarrotadas de antibióticos e hormônios para ganhar peso. Quem não se interessa pelos bichos deve pelo menos pensar em si próprio. A doença da vaca louca é um exemplo do resultado dessa forma de criação estapafúrdia. Além disso, o confinamento de bilhões de animais, alimentados de forma excessiva para o abate, exige uma quantidade incomensurável de plantações. Em alguns anos não haverá mais terra para plantio no planeta. Isso sem falar que a China e a Índia, com suas enormes populações, começaram a reproduzir métodos ocidentais de criação de animais. Se esse processo continuar, aumentarão os danos ao ambiente, a incidência de doenças cardíacas e os casos de câncer do sistema digestivo. São bons motivos para avaliar a comida moralmente.


Júlio – E que conselhos daria a quem quer ser ético no dia-a-dia? Singer – Comece pelo mais simples. Cumprimente as pessoas, diga bom-dia, seja educado com quem convive.

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